quarta-feira, 27 de maio de 2009

Ilícitas

A vida é trágica ao menos duas vezes por semana, o que varia é a intensidade de cada tragédia e a forma com que vamos lidar com ela. Por exemplo, derreter a chaleira da sua amiga no fogão pode ser uma tragédia de grande porte, dependendo o grau de sensibilidade no qual você se encontra. Nem tudo está perdido, diria alguém para consolar, se existisse alguém que consolasse.

Por que devo escrever todo o texto na mesma pessoa? Viver na mesma pessoa? Por que é inevitável sempre ser pessoa?

Ela precisou parar no caminho para tomar um pouco de ar, chamou um coche negro guiado pelo homem mais desbotado que estava naquele lugar e mandou que seguisse até onde pudesse, até o cavalo expirar de fome e exaustão. Pois ela morreria ali, dentro daquele baú sobre rodas, entre os assentos vermelhos e gastos de veludo, ouvindo sua respiração e o mundo lá fora.

Tenho andado incomodada, não sei bem por que, desconfio, suponho e, de tanto supor, desisto de entender. Penso em votar nulo na próxima eleição para governante do universo. Qual cadarço deve ser amarrado primeiro? Cordão esquerdo? Cordão direito? Compre sapatos de zíper então.

A pálida criatura humana seguiu sua ordem. Assentou sua carcaça no banco de guiar e golpeou o animal como se corresse para ficar rico, para encenar o papel principal. O bicho, sem saber, disparou rumo a um penhasco e a dama, por sua vez, tomou uma boa dose de veneno para ratos.

Odeio que me mandem relaxar, relaxo quando acho que devo. Quem sou eu? A mulher? O cocheiro? O cavalo? A poeira que levanta na estrada com o insano galope? A camponesa que colhe maçãs no pomar e vê a carruagem passar? Um personagem que criei e escondo para não me expor?

Ela entrou no quarto, passo por passo, silenciosa. Estava calma, tão serena como nunca. Sua amante ainda repousava, um anjo embalado por cornetas invisíveis e mudas aos seres comuns. Como era bela enquanto dormia, enquanto respirava, enquanto sonhava sabe se lá com quê. O único ruído que se ouvia no quarto era o burburinho de viandantes, mercadores e escravos que enchiam as ruas das grandes cidades nos séculos passados.

Fico aqui pensando quais os objetivos de vida de cada um. O que motiva as pessoas? Porque, no final, tudo não passa de ilusão e coisas efêmeras, o que me parece um tanto desesperador. Seja mudar o mundo, aumentar a conta bancária, fazer um bolo de cenoura com cobertura de chocolate, e até amar, tudo fugaz.

Recordou de seu canteiro de rosas amarelas no jardim; de seus filhos correndo pela casa, pedindo por socorro diante dos mais corriqueiros fatos, diante de uma pequena lagartixa no vão da porta; de seu fiel cachorro; dos empregados. Pensou que sua camareira, entre todos, era a que mais sentiria sua ausência, naturalmente era a mais próxima da senhora.

Mudar de planeta talvez seja a solução? Provavelmente não, de maneira nenhuma. É tudo que discuto diante do espelho e não chego a um consenso, é tudo que me mantém paralisada, que me deixa suspensa sobre um universo de opções balançando as pernas no ar. E isso vai me acompanhar.

Gostava de vê-la assim, frágil, adormecida, vulnerável, apreciava velar por seu sono. Apanhou o travesseiro, deu o último beijo nos lábios que tanto amava e com a frieza de uma assassina por natureza, sufocou-a; antes de partir, certificou-se de que as janelas estavam fechadas, saiu à rua e tomou o coche.

Organizar o que sinto, tomar decisões. Resolver, decidir, esclarecer a mim mesma o que fazer. Não sei. Não sei nem dirigir, nem desenhar. Não sei falar russo e não entendo nada de pássaros. Não sei o que todos buscam e nem sei se quero entender, embora isso pareça tão necessário para achar um rumo. Ou o rumo é mudar para sempre de rumo? Não sei.

Naquela manhã, assim que abriu os olhos, soube que aquele era o dia. A temperatura parecia ótima para findar as asperezas da vida. Ele não queria mais. Há tantos anos sozinho, vivendo sem intenção nenhuma, já era hora de acabar com aquilo. Quando todos morreram no incêndio, foi anestesiado pela dor de tal forma que não voltou a ter sentimentos. E agora, tinha cansado de trabalhar para nada, de comer a comida insossa da taberna da esquina, de levar anos insípidos. Atrelou seu cavalo no coche, o qual fechou os olhos no momento da queda, e decidiu ainda levar um último passageiro.

Serei cortês, mas não me deixem embaraçada, não sejam inconvenientes, fiquem com suas bocas caladas. Já que ninguém sabe o que dizer, que não se diga nada. Ao passo que sinto tudo, a ausência desesperada, continuem sem me entender, e a ler minhas histórias erradas.
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imagem: Mary Cassat

terça-feira, 19 de maio de 2009

RelaX

Relaxe
Feche os olhos

Relaxe
Agora você é uma cebola

Relaxe
Cebolas nada sentem

Relaxe
E quase nunca mentem

Relaxe
Não ligue para trocadilhos baratos

Relaxe
Você pode voar

Relaxe
Agora você pode pular

Relaxe
Jah te abençoa

Relaxe
Relaxe
Relaxe
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Imagem: Edvard Much

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Um E.T me lembrou você


Esse negócio de ter blog é um tanto incomodo. Porque, conseqüentemente, aqui vem parar muito do que penso, do que acredito ou não, do que sou, dessa forma, conseguintemente, estou me expondo. E eu não gosto de me expor. Então por que cargas d”água tenho um blog? Será que na verdade adoro aparecer? Espero que não, não considero isso uma qualidade. De qualquer forma, adoro escrever, isso sim, se for pra ninguém ler, um tanto melhor, um tanto pior, se for uma merda incorrigível está na hora de repensar minha profissão.


Eu vi um E.T e ele me lembrou você não sei por que, deve ser porque los dos são green, los dos não são daqui, los dos são verdadeiros, tem uma nave espacial, não falam minha língua e ponto final.

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imagem:Bernard Buffet

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Quem atrasa um dia chega


Aqui no Guilherme, eu descobri o que é tomar um tacho de café, sim, porque isso não é uma xícara é quase uma jarra, uma panela. E eu, é claro, todas as vezes, encho até a borda como se fosse o último café de minha vida. Culpada a xícara, culpada eu, culpados o Gui e o João que adquiriram tal louça.


Pensei em comprar uma fantasia de rato, com grandes orelhas e um rabo compriiiiiiiiiiiiido. Pensei em me chamar Onofre, porque Onofre é um bom nome para um rato. Pensei em me esconder em cantos escuros e fugir das pessoas. Pensei em morder quem chegar perto. Pensei que sou louca e mudo mais de idéia do que de células da epiderme. Pensei que eu brinco sem querer com coisas que não se deve brincar, como o fogo.


No meio de mil medos, posso sobreviver me dêem apenas um minuto. Um minuto para fugir daqui, para virar lenda, pois eu tenho medo e ninguém pode fazer nada. E preciso ir ao supermercado comprar adoçante, mas não quero ver ninguém, falar muito menos, pedir licença, agradecer nem sob pena de morte. Começo a temer atravessar as ruas, e não sei o que me assusta mais: as pessoas ou uma guerra biológica.


Também posso obter uma armadura ou um tanque de guerra (de certo me sentiria segura em um), posso pegar um navio pra bem longe, morar numa ilha deserta e conversar apenas com passarinhos. Posso envenenar toda a humanidade com minhas palavras, e escrever pra ninguém sem nenhum propósito. Mas, por incrível que pareça, me sentiria sozinha. Confesso, sou uma contradição ambulante. Falta de opinião própria? Excesso de idéias (furadas ou não)? Exagero de ócio? De ópio? De tudo que é impróprio?


Eu não sei o que falar, e minhas teorias não servem para confortar nenhuma pessoa. Portanto, por favor, não me peça opinião, eu não a tenho, ou tenho muitas concomitantemente, ainda não descobri bem o caso, mas eu realmente NÃO sei o que dizer sobre isso que você quer saber. Definitivamente não faço a mínima idéia da época de migração das gaivotas e nem quando começa o solstício de verão. O que tenho nos meus bolsos é um isqueiro para acender cigarros, incensos e velas.


Não sei o que acontece no mundo, não leio jornal, não vejo as notícias. Não quero saber das minhas revistas que se amontoam ainda empacotadas ao lado da porta. Que uma pandemia leve todos, menos eu e os meus. E quando eu me sentir só, que um bom livro me baste.

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imagem:Jean Beraud

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Beber Bebel


Em um reino distante, cerca de cinco mil quilômetros de qualquer lugar, uma princesa quis ser pirata porque a vida de princesa era chata. Numa bela noite, quando todos comemoravam, dançando, bebendo e cantando o aniversário de suas irmãs mais novas, belas gêmeas siamesas, ela fugiu.

Como?

Mais tarde, espiões da rainha descobriram que com a colaboração de monges Hare Krishna que estavam de passagem. E a próxima informação foi só a de que a princesa já se encontrava em alto mar.

Enquanto a família se desesperava, mandava pelotões de busca, tropa de fuzilamento e soldados pelos quatro ventos, Bebel ainda dentro dos muros da cidade estava. Acontece que a informação sobre os monges era falsa, foi só o que um pobre homem pode inventar sob as torturas da guarda real. Na verdade, ela se foi de Finduntópia dois dias depois com um circo que tinha encerrado sua temporada por ali. Fez amizade com os artistas e partiu como ajudante de palhaço. Foi por isso, pela roupa de palhaço que os ajudantes também usam, que não foi reconhecida pelos guardas no portão da cidade. E também é por isso que não podemos diferenciar palhaços e ajudantes de palhaços, eles se vestem “iguais”.

Viajou em caravana com a trupe por cerca de um mês até chegar ao primeiro porto. Despediu-se do homem bomba, da mulher barbada, dos malabaristas, dos adestradores, dos palhaços e partiu, ou melhor, e ficou, já que quem continuou a viagem foram eles.

Por que o mar?
Nem Bebel sabia por que, porque escolhera a esmo para fazer alguma coisa, poderia ser também uma viagem ao deserto do Saara ou pular de pára-quedas. Entretanto, sabe se lá por que lá foi ela ser pirata.

O primeiro passo? Qual seria o primeiro passo? Procurar um pirata e se apresentar como desejosa de um cargo? Foi com essa idéia incrustada na cabeça, que tropeçou numa velha garrafa. (Se o pensamento teve a ver com o tropeço, não se sabe...)

- Oh, não poderia ser, mas quem sabe, será possível...

Mas não, não saiu um gênio de dentro da garrafa, o que ela podia ver era um líquido estranho escuro e gosmento como lama podre.

- Credo, que nojo, o que seria aquilo?
E já se preparava para arremessá-la longe quando surgiu uma bruxa correndo e gritando:

- PARE.

Bebel certamente parou. Não via bruxa como aquela todos os dias, toda de preto, com uma capa de bruxa, um chapéu tão velho que causava medo, uma gigante verruga bem na ponta de seu gigantesco e pontudo nariz e (minha nossa!) tinha até vassoura! Bebel estava extasiada, queria um autógrafo, pero conseguiu se conter.


-Pare já, mocinha, isso me pertence!


Muda e impressionada, Bebel estendeu a garrafa em direção a bruxa antiquada. A qual arrebatou bruscamente (não seria redundância?) sua suposta poção mágica e virou fumaça.

- Realmente acontecem coisas estranhas na vida, disse Bebel para seus botões.

Foi quando um deles respondeu:
- É verdade.


Moral da história: Não misture pílulas desconhecidas com bebidas alcoólicas

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imagem: http://niilismo.net/

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A Dança


Às vezes, mas somente às vezes, gostaria de acreditar em deus. Para ter para quem rezar em certos casos, como quando meu irmão sai de bicicleta por aí, quando eu quero proteger e não posso interferir. Seria bom acreditar que existe alguém que está cuidando desse detalhe tão importante, alguém que cuidaria para que um dia a humanidade pare de se digladiar e que igualmente fosse me ouvir quando eu pedisse uma oportunidade de emprego ou um pouco de amor. Entretanto, não, não tenho esse conforto.


O que é melhor, a consciência ou a ilusão? Nunca chego ao veredicto. De qualquer forma, cada um se ilude e se engana de algum jeito para sobreviver, são pequenos alívios que, ao primeiro olhar, não trazem danos, ou talvez, apenas seu uso em excesso cause dano. Como o fanatismo religioso é prejudicial, enquanto rezar antes de dormir deve até fazer bem, enquanto fumar um baseado de vez em quando não faz mal a ninguém. A lei do equilíbrio se encaixa para quase tudo. Contudo, agora é demasiado tarde, impossível crer, eu precisaria perder a memória e (me perdoem os que acreditam) um pouco de inteligência. Devo estar sendo odiada... mas eu digo!


A tristeza da consciência é uma aflição que geralmente acompanha os ateus. Porque é profundamente doloroso olhar ao redor e ver que a ordem natural das coisas é a morte levar a todos que você ama para sempre. Quando isso acontecer, tudo será apagado, porque o tempo é responsável pela limpeza da memória do mundo. E a questão não é no fim das contas todo mundo não ser ninguém, não é não passarmos de animaizinhos numa sociedade ridícula, o que me incomoda é saber que tudo acaba de repente. Eu, todos que conheço, tudo que conheço e meu minúsculo sempre seremos todos histórias que mal tiveram tempo de se despedir. E para mim, que costumo chamar semana passada de antigamente, tem dias que parece que seremos histórias a partir da semana que vem.


O Homem que também é um parasita deplorável, por outro lado, quer ser admirável mesmo diante de uma enxurrada de dúvidas, incertezas e injustiças, resolve construir uma infinidade de coisas e confortos. Por isso, também às vezes, mas somente às vezes, tenho vontade de chorar, por mim e pelo mundo inteiro, até por aqueles que nos outros momentos quero bater com um porrete na cabeça. Quero chorar por minha mãe e pela vida de sonhos que eu queria que ela tivesse levado; pelo rato que eu mesma peguei na ratoeira; pelos donos das pizzarias e lanchonetes que vão à falência, por todo mundo que tenta e não consegue; eu sinto vontade de chorar pelo cara do segundo lugar, pelo time que perdeu e por todas as pessoas que eu acredito que mereciam algo (sei lá o quê) melhor. Mas eu não choro. Porque eu nunca choro. Porventura sou mulher de chorar?

Eu penso, e quando minha cabeça dói, preciso dormir. Um sono de princesa, de Bela Adormecida, um sono de inconsciência e descanso. Um sono que não tenho, porque não sou princesa e muito menos Bela Adormecida. Pelo contrário, meus sonhos parecem ter a propriedade de extenuar. Que tipo de vampiro anda sugando minhas forças?


Ao mesmo tempo em que tudo isso me atropela, preciso levar o lixo para fora, pintar o cabelo, ser simpática, educada, falar várias línguas fluentemente, ter bons argumentos para todas as minhas opiniões. (Ora, por favor, tem coisas que eu acho porque acho e acabou, porque fizeram lavagem cerebral, quem sabe...) Eu preciso não golpear as pessoas que gosto, vigiar o que escrevo, o que faço e o que falo. Preciso não causar tristezas desnecessárias. Preciso pisar leve sem ferir os pés, dançar conforme a música, não perder o compasso e ainda tentar não machucar a bailarina...
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imagem: Manet

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Definitivamente isso não é uma apologia as drogas, só postei pelo som mesmo...

Ops...Sumiu



O que dizer quando não há nada a dizer?

Quando a vontade é correr?

Quando o desejo é escapar?

Fique, disfarce e saia à francesa.
(Minha especialidade.)

Ir ao banheiro e nunca mais voltar.

Pegar um ar e evaporar.

Muitas despedidas exigem explicações.

Explicações são chatas!
E de chata já chega minha situação financeira de nascença.

Deve ter vindo junto com o dedo mindinho essa minha mania de ir embora do nada.

Cadê eu?

Eu já fui.

(Há pelo menos meia hora)


E tem aquele cara que li na revista que abandonou o emprego de bancário para virar mágico.

Terá se fartado de dar explicações e mandado todo mundo tomar no cú?

Quantas explicações terei que dar até o fim da vida?

Evito as desnecessárias.

Por que sou assim?

Não sei, não quero explicar.

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Imagem: Henri Matisse

Congênito




Sua pele tem cor de temporal há tantos anos e você nem viu...

Pegue a Lua para mim por favor.




É perigoso.

É um oceano em tempestade.

Pode te tragar, ou levar pra longe, muito longe...

Mas não depende do oceano,

depende da tempestade.

Aquela que é forte e incontrolável,

que a cada dia sopra para um lado.

A tempestade que deixa como rastros de sua força incontestável estrago e desolação.

Muito cuidado.

A tempestade pode te pegar.

E uma vez dentro dela irá para sempre ali ficar.

É a desordem que ordena.

O tumulto que acompanha.

A agitação que impera.

O reflexo no espelho não passa de um engano, um atraente embuste.

Mil imagens irreconhecíveis de você mesmo numa sucessão infinita de combinações,

é o que é.

Extraviar o controle e obedecer as turbulências da natureza que ora estão dentro, ora fora de você.

Viver em estado de tempestade é ser e não ser o mesmo a cada amanhecer.



Sua pele tem cor de temporal há tantos anos e você nem viu...

Pegue a Lua para mim por favor.

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imagem: http:niilismo.net/galeria/